Domingo, 10 de Agosto de 2025
A pesquisadora Bárbara Flores Borum-Kren acredita que a união dos povos indígenas, simbolizada pelo encontro da águia e do condor, se manifesta na construção coletiva do bem viver, transcendendo fronteiras geográficas.
Bárbara busca, através de sua pesquisa, defender a reocupação de áreas degradadas pelos povos originários como a maneira mais eficaz de promover a recuperação ambiental e revitalizar práticas culturais, criando "socioecossistemas resilientes e prósperos".
Atualmente, Bárbara realiza pós-doutorado nos Estados Unidos, na Universidade do Colorado, investigando a situação de territórios dos povos Ute, Walatowa, Navajo, Lakota, Odibwe e Yurok em cinco estados norte-americanos.
"Eu estou buscando fazer uma troca de conhecimentos com povos indígenas, que estão passando por esse processo de restauração da memória biocultural ou que já passaram, e também me adentrando mais no movimento do land back (retomada da terra, em tradução livre), que aqui é bem forte, pelo reconhecimento dos Estados Unidos enquanto território indígena”, explica.
A pesquisa é financiada pelo Programa Beatriz Nascimento para Mulheres na Ciência do CNPQ e pelo Instituto Serrapilheira.
O trabalho de Bárbara Borum-Kren se baseia em dois conceitos principais: a memória biocultural e as cascatas socioecológicas.
A memória biocultural é definida como a relação construída ao longo de gerações entre os povos e o território, criando um vínculo de parentesco que atrela as questões biológicas do território com as questões culturais.
A pesquisadora defende que terras devastadas devem receber intervenções considerando a memória biocultural dos seus habitantes originários, o que provocaria as cascatas socioecológicas, processos em cadeia que levam tanto à recuperação ambiental quanto ao resgate da identidade desses povos.
“Por exemplo, fazer todo o levantamento das plantas que são culturalmente importantes para o nosso povo, onde elas estavam distribuídas dentro do território e em qual quantidade, assim como dos animais, também são culturalmente importantes. E a partir desse diagnóstico, a gente consegue ver onde precisa atuar e intervir”, defende.
Segundo Bárbara, experiências nos Estados Unidos podem inspirar o Brasil.
“No Colorado e na Califórnia, eles já fazem, por exemplo, projetos de restauração ecológica em parceria com os povos indígenas, utilizando os conhecimentos tradicionais para fazer a restauração de áreas degradadas. Também fazem gestão pública de parques naturais e áreas verdes em parceria com os povos indígenas que vivem no território”, esclarece.
No entanto, novas iniciativas enfrentam desafios devido a cortes de financiamento para pesquisas consideradas progressistas, como direitos indígenas e meio ambiente.
O objetivo principal de Bárbara é que o intercâmbio de conhecimento com os povos norte-americanos contribua com seu trabalho de retomada e recuperação do território Borum-Kren, em Ouro Preto, Minas Gerais.
Foi isso que motivou Bárbara a buscar o ensino superior, para conhecer a história de seus antepassados, marcada por massacres e dominação cultural. O povo Borum-Kren descende dos Botocudos, perseguidos e assassinados para a exploração do ouro.
Os sobreviventes sofreram diversas formas de assimilação cultural violenta.
“Os colonos que chegavam ganhavam o título da terra quando casavam com uma indígena, então isso desencadeou muitos sequestros de mulheres indígenas e muitos estupros. Houve também um comércio de crianças indígenas, para trabalhar nas carvoarias. Meu avô foi um trabalhador escravizado e o irmão dele foi uma dessas crianças sequestradas”, disse.
Sem acesso às terras e enfrentando a miséria, a família de Bárbara se mudou para Belo Horizonte. Ela questionava a história de seu povo, e o pai dizia que “todos já morreram”.
Hoje, ela sabe que os Borum-Kren resistiram à extinção e defende que a retomada das terras seria a melhor forma de restaurá-las após anos de exploração.
“Na medida que a gente restaura o território, a gente também restaura a cultura. Da mesma forma, quando a gente restaura a cultura, a gente também restaura o território”, defende.
Para Bárbara, o reconhecimento e a demarcação dos territórios usurpados são essenciais.
“Ele [reconhecimento dos territórios] garante que você possa fazer esse trabalho que leva à recuperação ambiental, porque a partir do momento que você tem garantida por lei o usufruto da terra pelo povo indígena, é que a gente pode desenvolver ações. E muitas vezes essas terras estão em uma área de amortecimento, na divisa com parques naturais. Então, com a demarcação, a gente acaba criando um corredor ecológico e ampliando essas áreas protegidas”.
Bárbara se articula com outros jovens Borum-Kren e integra o Movimento Plurinacional Wayrakuna, o primeiro grupo de pesquisa do Brasil composto por mulheres indígenas. Wayrakuna significa “filhas do vento”.
“É uma necessidade muito forte que a minha geração sentiu de mudar esses destinos de morte, que eram como uma predestinação. A gente quer mostrar que não é bem assim, que a gente pode fazer diferente, pode fazer algo efetivo em prol da ressurgência”, conclui.